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27 de março de 2024 10:10 PM

Coluna

Porandubas nº 755

Gaudêncio Torquato
Em 13 de abril de 2022

Abro com uma historinha de Zé Abelha.

As três pessoas

No confessionário, Monsenhor era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus.

– São 10, Monsenhor.

– E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja?

– São 7, Monsenhor.

– E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são?

– São 3, Monsenhor.

Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido:

– E quais são essas pessoas?

A resposta encerrou a confissão:

– As três pessoas são o senhor, o dr. Didico e o dr. Zé Augusto.

(Historinha contada por José Abelha em A Mineirice).

Hoje, dedicarei o maior espaço da coluna para entrar na mente do eleitor. Afinal, quem e por que um candidato merece seu voto? O que se passa com seu sistema cognitivo? Adiante, algumas observações. Antes, um rápido painel.

Brevíssimas

– A terceira via terá imensas dificuldades para viabilizar um nome.

– Lula estaria passando por problemas de saúde.

– Geraldo Alckmin começa a não ter tanto apoio no PSB.

– O STF será alvo de tiroteio na campanha. Tiros mais fortes.

– Lula fala muito e começa a incomodar seus aliados.

– Bolsonaro tem um índice de rejeição difícil de administrar.

– Não seria surpresa para este analista se na hora H, Lula desistir.

– Rodrigo Garcia tem melhores condições para ganhar o pleito de SP.

– A União Brasil não terá coragem de indicar Luciano Bivar como seu candidato.

– Candidatos importantes poderão ser objeto de intenso tiroteio pelos artilheiros que elegeram o discurso de corrupção no governo Bolsonaro.

– Eduardo Leite pode arrumar um jeito de sair como candidato.

– Ciro Gomes está demonstrando ser o mais preparado entre os candidatos.

– Se Marine Le Pen levar a melhor no 2º turno da França, a UE entra em caos.

– Macron deixa de ser franco favorito. Tem pequeno índice à frente.

– Putin espera destruição total da Ucrânia. Questão de autoestima.

Uma batalha em 5 rounds

Uma campanha política é uma guerra com cinco batalhas. A primeira é a da viabilização dos nomes na convenção dos partidos. Depois, vem a batalha do crescimento, travada na campanha de rua. Em agosto, inicia-se o terceiro estágio, com o embate da programação eleitoral gratuita na televisão e no rádio. O quarto desafio é alcançar o clímax e a quinta frente de luta é contra o declínio, que geralmente atinge alguns candidatos antes do dia D. Para cada uma delas, são precisos munição, bala, investimentos em comunicação, mobilização e articulação de entidades sociais. Todas essas armas precisam ser compradas e, quem tem mais dinheiro, evidentemente, possui maiores condições de ganhar. Mas, às vezes, só a munição não garante a vitória e é preciso unir habilidade, tática e estratégia. Pobre ganha campanha? Sim, quando tem o apoio de entidades, movimentos sociais ou quando possui uma grande folha de serviços prestados à comunidade.

Candidato não é sabonete

O eleitor quer um candidato honesto e com experiência administrativa, mas que seja banhado pelo conceito da assepsia, da higienização política. O ideário da inovação e da renovação ganha espaço em meio a nomes carimbados do quadro nacional. Também quer votar em pessoas que passem a ideia de bons controladores do orçamento municipal. Nesse aspecto, as candidatas levam vantagem – a mulher sempre controlou o orçamento doméstico e transmite maior confiança. Chega ao fim o “candidato sabonete”, apresentado como um verdadeiro produto para o consumo de massa e cuja imagem era construída via efeitos cosméticos e publicitários.

Mostrar a cara

A influência da Internet será maior do que nas eleições passadas, mas ela não constitui, ainda, um veículo fundamental. Os candidatos deverão receber muitas visitas nos sites. Nada substitui o contato pessoal do candidato com seu eleitorado. Diante da crise social, da desconfiança e da descrença, as pessoas sentem necessidade de ver seus candidatos de perto. Os políticos devem sair às ruas e andar pelas casas e pelos bairros. Mais importante do que os grandes comícios serão os pequenos encontros, como cafés da manhã, visitas, mutirões e carreatas.

Cuidado com os dribles

Que limites devem se impor àqueles que lidam com imagem de políticos e campanhas eleitorais? Primeiro há de se atentar para a significação da política, enquanto instrumento para satisfação dos interesses da sociedade e alavanca de mudanças. Os candidatos devem se amparar em um código de conduta, com espaço para valores como ética, verdade, franqueza, objetividade, transparência, todos inseridos no campo maior da dignidade humana. Tal escopo, porém, acaba corroído pela instrumentalização da política, que tem se tornado um empreendimento a serviço de indivíduos e grupos. A esperteza, o vale-tudo, a dramatização, os recursos artificiais, a hipocrisia e a insinceridade têm sido a tônica da cultura política, no ciclo da sociedade pós-industrial. A política e seus meios inspiram a personalização do poder, propiciando intensa competição utilitarista entre atores. Candidatos como sabonete estão sendo afastados.

Dissimulação

Os 150 milhões de eleitores brasileiros deverão ser envolvidos pela “feitiçaria” que a publicização política haverá de construir, nos próximos meses. Como podemos evitar a embrulhada engendrada pela atmosfera criada pela ditadura da propaganda eleitoral, já em pleno curso, apesar de proibida nesse momento pré-eleitoral? Primeiramente, identificando os pontos de saturação, que podem estar na cosmética exagerada sobre os perfis, operação que apresenta geralmente três graus de dissimulação: quando o perfil desaparece sem ser notado ou quando se impede que o tomem como tal qual é; quando o candidato exibe sinais e argumentos de que não é o que é; e quando ele, de forma hipócrita, finge e pretende ser o que não é. Ora, “nenhum homem, por maior esforço que faça, pode acrescentar um palmo à sua altura”, diz a Bíblia, e alterar o pequeno modelo que é o corpo humano. Mesmo usando a engenharia de artimanhas do marketing. Há, de fato, cerca de 30 milhões de brasileiros que vivem em estado deplorável. O país mostra sinais de anomia e degeneração de valores. Mas tem uma base sobre a qual se pode navegar com segurança. Usar o acervo de mazelas, sob o artifício de emoções falsas, costuradas na colcha de diagnósticos por demais conhecidos, sem apontar caminhos e soluções para os avanços, é querer instrumentalizar a catarse coletiva, tirando dela proveito próprio.

O bolso

Eis a pergunta: “o que faz um eleitor preferir um candidato a outro”? Não há uma resposta fechada para a questão. Mas alguns elementos podem ser alinhados e, de sua combinação, pode-se chegar próximo a uma resposta razoável. Dependendo do candidato e da região, certos fatores pesam mais que outros. O primeiro apelo é o do bolso. Relaciona-se à luta pela sobrevivência e à necessidade de se garantir o alimento. É um dos impulsos básicos do ser humano, que age principalmente em épocas de contenção, crise e desemprego. Quaisquer propostas para garantir o sustento de pessoas e famílias, quando feitas de maneira crível e objetiva, laçam o interesse das pessoas. Um bom emprego ou a perspectiva de melhorar de vida simbolizam o eixo desse discurso. O segundo fator de interesse liga-se à região, ao município, ao bairro, à rua. Trata-se do fator proximidade, que, nos últimos tempos, tem despertado a intenção dos eleitores. O voto está ficando, cada vez mais, distritalizado, regionalizado. As pessoas querem ver melhoramentos nos espaços que as abrigam. Esses são fatores de natureza racional.

Proximidade

O terceiro elemento está voltado para a proximidade psicológica entre eleitor e candidato. Trata-se, no caso, do conhecimento que o eleitor tem do candidato, aí incluídos os contatos, a aproximação, a tradição familiar, o grau de intimidade. É como o eleitor estivesse votando em alguém da família. Outro tipo de apelo, próximo ao anterior, relaciona-se às indicações feitas pelo grupo de referência do eleitor – seus próprios familiares, vizinhos, amigos e companheiros de trabalho. O grupo funciona como guarda-chuva do candidato. Outro conjunto diz respeito ao próprio candidato. A começar por sua história pessoal e profissional.

As circunstâncias

Por último, a onda das circunstâncias. Os bons candidatos sempre recebem uma ajudazinha do clima psicológico do momento, que é formado pelos ventos que sopram a seu favor, e que o projetam como a pessoa que melhor cristaliza os sentimentos gerais e mais empatia provoca junto aos diversos grupos sociais. Esse vento aparece geralmente para oxigenar o poluído ar das campanhas. É mais ou menos assim: candidatos estão se devorando pela mídia, cada um atirando mais forte. De repente, aparece um candidato, com um discurso maior, integrador e positivo, forte e objetivo. Esse candidato, mesmo que comece por baixo, no início da campanha, tem condições de subir, paulatinamente, até ser considerado como o elemento novo na pasmaceira de uma campanha.

Valores

O eleitor leva em consideração valores como honestidade/seriedade; simplicidade; competência/preparo; capacidade de comunicação; entendimento dos problemas; arrogância/prepotência e simpatia. Sob outra abordagem, o voto quer significar protesto, um castigo aos atuais governantes e a candidatos identificados com eles, vontade de mudar ou mesmo aprovação às idéias dos perfis situacionistas. Neste caso, os pesos da balança assumem o significado de satisfação e insatisfação; ou confiança e desconfiança. A questão seguinte é saber qual a ordem em que o eleitor coloca essas posições na cabeça e por onde começa o processo decisório. Não há uma ordem natural. O eleitor tanto pode começar a decidir por um valor representado pelo candidato – simpatia, preparo, capacidade de comunicação – como pelo cinturão social e econômico que o aperta: carestia, violência, desemprego, insatisfação com os serviços públicos precários etc. Esses apelos disparam os mecanismos de escolha.

Fidelidade?

O eleitor brasileiro é fiel? No sentido abrangente, mais coletivo, a resposta é não. Há grupamentos fiéis, particularmente entre estratos médios, formadores de opinião, segmentos engajados nos partidos, setores religiosos, imigrantes de sangue anglo-saxão e pequenos núcleos ideológicos. Os grandes contingentes são amorfos, alheios ao cotidiano político e capazes de mudar de posição, de acordo com as circunstâncias e as necessidades mais prementes. A sinuosidade, a desconfiança, a versatilidade, a capacidade de adaptação aos espaços são traços de nossa cultura, decorrentes das grandes lutas pela conquista do interior, no início da colonização. A luta pela sobrevivência, a pressão da natureza e o mundo de hostilidades formaram o cinturão mutante que aperta o estômago nacional, sujeitando-o às circunstâncias e ao meio ambiente.

O pessimismo

O pessimismo induz o eleitor a se afastar dos políticos, que, indistintamente, ganham a pecha de “ladrões e corruptos”. Os perfis populistas e messiânicos é quem levam a melhor, ao sintonizarem a linguagem com a imprecação popular. Não por acaso, o chavão “bandido bom é bandido morto, lugar de bandido é na cadeia”, toca forte no coração das massas. Uma vitória do Brasil na Copa do Mundo seria uma catarse. E a catarse, com suas vertentes de emoção, vibração, êxtase e felicidade, acaba purgando pecados acumulados. Trata-se de uma formidável estrutura de consolação da sociedade.

A psicologia dos eleitores

Como são os tipos de eleitores sob a vertente psicológica? A divisão feita por Hipócrates mostra os coléricos, em que a excitação prevalece sobre a faculdade de inibição; os equilibrados, que podem ter reações rápidas e uma excitação igual à inibição, e, neste caso, são considerados “sanguíneos”, com reações ágeis; enquanto os indivíduos com reações lentas são considerados fleumáticos, serenos, impassíveis. Por último, os tipos fracos, os melancólicos, que exibem a preponderância da inibição sobre a excitação. Formam, segundo Tchakhotine, o grande número de indivíduos que constituem as multidões e as massas, mais facilmente influenciáveis ou violáveis. Em suma, o discurso político leva em conta o ânimo social – a natureza do estado coletivo – e a tipologia comportamental dos cidadãos, agindo, com maior ou menor intensidade, sobre os mecanismos sensoriais de cada um. O discurso político é um agente poderoso de poder.

A equação BO+BA+CO+CA

Tenho escrito bastante sobre o uso de instintos em campanhas eleitorais, com destaque para o instinto nutritivo. Até formei uma hipótese que tenho usado para explicar o processo de decisão de voto, que parte do cinturão econômico é ciclicamente usado por governos para afrouxar ou apertar a barriga do eleitor. O “xis” da questão resume-se na equação BO+BA+CO+CA: bolso (BO) cheio enche a geladeira, satisfaz a barriga (BA), emociona o coração (CO) e induz a cabeça (CA) dos bem alimentados a recompensar os patrocinadores do pão sobre a mesa. E o troco, a recompensa? O voto na urna. A recíproca é verdadeira. Bolso vazio é reviravolta eleitoral.

O Imponderável

O eleitor frequentemente recebe a visita do Senhor Imponderável. O único que pode mudar a direção do vento.

 

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