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19 de abril de 2024 6:03 AM

Coluna

Porandubas nº 763

Gaudêncio Torquato
Em 8 de junho de 2022

Abro a coluna com a Paraíba.

Silêncio, silêncio

Flávio Ribeiro, presidente da Assembleia (depois foi governador da Paraíba), estava irritado com as galerias, que aplaudiram e vaiaram durante um debate entre o deputado comunista Santa Cruz e o udenista Praxedes Pitanga. De repente, tocou a campainha, pediu silêncio e avisou, grave:

– Se as galerias continuarem a se manifestar, eu evacuo.

Felizmente, as galerias se calaram.

Na corda bamba

O governo anunciou, segunda, medidas para zerar impostos sobre combustíveis. A ideia é permitir que o imposto cobrado apenas sobre o óleo diesel e sobre o transporte público seja zerado até o final do ano. Promete zerar os impostos federais – PIS, Cofins e Cide – sobre a gasolina e o etanol. Mas isso só pode ser feito com redução de tributos estaduais.

Improvisação…

O objetivo é compensar parte da perda de arrecadação dos Estados com recursos federais. Os Estados olham enviesado para esta promessa. Quem vai garantir isso? Paulo Guedes promete verba de até R$ 50 bilhões (de R$ 25 a R$ 50 bilhões, prometeu o ministro….que parece não ter certeza). O anúncio das medidas tem certa semelhança com a explicação capenga e improvisada de Zélia Cardoso de Melo, por ocasião do confisco da poupança nos tempos tormentosos do governo Collor.

Cidades pobres e a ostentação

Um escárnio. É o que se pode dizer das cidades pobres do país, a imensa maioria dos 5.674 municípios, cujos mandatários tiram dos esvaziados cofres municipais, 700/800 mil e até mais de um 1 milhão de reais para levar cantores e shows de música. Os munícipes até aprovam essa conduta. Afinal, a festa, a descontração, a farra fazem parte da índole nacional. E não querem saber se esses shows acabam tirando dinheiro de programas em áreas vitais como saúde e educação.

Nossa índole

Nossos grandes antropólogos e sociólogos já escreveram sobre nossa índole festivo, hospitaleira, que aprecia o ócio, o lazer, a festa. Não somos um povo ordeiro, cumpridor de normas. As decisões contemplam mais o fator emotivo que a componente racional. Daí a propensão para comportamentos extravagantes no campo dos costumes. Veja-se essa gastança com o dinheiro público nessa quarta onda da Covid-19.

Baixa convicção

O brasileiro não tem a convicção de um anglo-saxão, para quem pau é pau, pedra é pedra. Dependendo do momento e das circunstâncias o pau pode ter a consistência de pedra a ponto de o homo brasiliensis jurar diante de um tronco de madeira que se deparou com uma dura rocha. Essa característica tem raízes no DNA do nosso povo, alegre e acolhedor, flexível e adaptável aos momentos. Somos um povo de paz, que procura harmonizar posições, tirando proveito das situações, piscando à direita e à esquerda. Não somos de pegar forte no trabalho, dizem.

Já começou a perseguição

Conta-se a historinha do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), em seu primeiro comício, no Largo da Carioca, no RJ, idos de 1945: “brasileiros, precisamos trabalhar”. Do meio do povo, um ouvinte gritou: “vixe, já começou a perseguição”. O comício quase acabou. O fato é que não cultivamos a semente das convicções. Somos afeitos às imprecisões. “Quantas horas o senhor trabalha por semana”? “Mais ou menos 36 horas”. “O senhor é católico”? “Sou, mas não vou à missa”. Petrolina não viu, até hoje, uma gota de petróleo de sua terra, nem Petrolândia ali perto. Quem leu Jorge Amado chega à conclusão de que a Bahia de Todos os Santos deveria ser apropriadamente chamada de Bahia de Todos os Pecados.

Pernas pro ar…

Já o gordo pernambucano Ascenso Ferreira, genial intérprete da nossa cultura, cantava: “Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar? – Pernas pro ar que ninguém é de ferro!”

Água subirá a serra?

Vejo com esperança a detonação de uma rocha no pé da serra de Luis Gomes, minha querida cidade potiguar, que faz fronteira com a Paraíba e com o Ceará. Explosão marcada para ontem, terça, e que dará início às obras de um túnel que propiciará a chegada da água no extremo oeste do RN e outras regiões cobertas pelo Ramal do Apodi. Ufa! Sonho de gerações. No dia em que a água chegar em cerca de 54 cidades do Nordeste, o Brasil dará um salto de progresso.

Puxadores de votos

Em toda eleição, emergem as figuras classificadas como puxadores de votos, ou seja, nomes de grande visibilidade, famosos, perfis polêmicos e mesmo pessoas bem qualificadas na esfera política, como a ex-senadora Marina Silva. A ex-ministra acreana deverá compor a chapa de nomes para deputado Federal em São Paulo pela Rede Solidariedade. Muito bem. Ocorre que essa prática se tornou um anzol torto para pescar eleitores. Torto? Sim. Os candidatos transferem seu domicílio eleitoral para praças mais densas de votos, forma de aumentar as bancadas partidárias.

Desconhecimento

Vejam o caso do deputado Federal Eduardo Bolsonaro. Não se vê tal figura circulando em São Paulo, onde obteve extraordinária votação em 2018, cerca de 1,84 milhão de votos, a maior do país. O PSL, que era o partido de Jair Bolsonaro naquele ano, foi o que teve as maiores votações em cinco Estados. Pergunte-se ao deputado se ele sabe onde é o Tatuapé ou a Capela do Socorro, na capital paulistana. Ou ainda: já foi, por exemplo, a Santa Rita do Passa Quatro, na região de Ribeirão Preto? Faça-se a mesma pergunta a Marina Silva. E mais: que ações foram feitas por Vossa Excelência para São Paulo, deputado Eduardo?

Um drible?

Será que essa prática continuará a integrar o nosso sistema eleitoral? Não é um drible em nossa democracia?

Tiririca

Briga entre famosos. O deputado Federal Francisco Everardo Oliveira Silva (PL-SP), o Tiririca, pode perder o seu número no Partido Liberal depois da chegada de Eduardo Bolsonaro à sigla. O humorista usa o 2222, que seria cobiçado pelo filho do atual presidente da República. P.S. Na eleição de 2010, Tiririca se elegeu como o deputado Federal mais bem votado do país, recebendo 1 milhão e 300 mil. Usava o jargão: “pior que tá não fica. Vote em Tiririca”.

Um absurdo

É um absurdo vermos uma operadora de carga privilegiando a compra de trens importados de passageiros em detrimento dos nacionais. Uma vergonha. Emprego e renda ao estrangeiro e não a nós, brasileiros. O setor ferroviário de passageiros tem melhor capacidade de fabricar estes trens e mantê-los por três décadas de uso. Os equipamentos importados da China não são bons e os últimos tiveram que ser mantidos pela indústria nacional. Na hora de apoiar as renovações antecipadas foi a indústria nacional que esteve presente, que deu um passo à frente, financiando estudos e demonstrando sua viabilidade E agora, quando se apresenta o momento de participar do desenvolvimento nacional, o setor de passageiros se vê relegado ao esquecimento.

Quarta onda

O costume acaba aplainando o terreno das restrições. A primeira fase da Covid-19 trouxe muito medo. Com os tempos, as pessoas foram se acostumando e se adaptando ao clima da pandemia. Vivemos, hoje, a quarta onda. Tudo parece normal. Circulação nas ruas e nos escritórios. Contaminados em expansão. Mortes em fluxo decrescente. As piores mazelas entraram no espaço da banalização. Que tempos…

Os generalistas

Nos últimos anos, ganhou projeção a figura do generalista, o profissional que, possuindo conhecimentos específicos, reúne condições e potenciais para estabelecer abordagens abrangentes da sociedade. O generalista era considerado um profissional não muito respeitado pelo fato de “querer saber de tudo” e, no fim das contas, “não saber nada”. Sua imagem, porém, ganhou consistência.

A holística

O conhecimento holístico, capaz de integrar as partes no todo, constitui uma exigência do mundo competitivo e globalizado. As análises simplistas começam a ser rejeitadas. Um dos mais imperiosos desafios dos profissionais de comunicação reside na capacidade de saber ler cenários e projetar situações.

Discurso político

1. Slogan-repetição

É bastante eficaz, nas campanhas políticas, a aplicação de um bordão ao final dos discursos, repetido todas as vezes em que o candidato discursa. Exemplo de fecho de discurso, que ficou famoso, é o do senador Catão, no Senado Romano, que terminava sua oração da mesma forma: “Ceterum censeo, Carthago delenda est” (“em outras palavras, Cartago deve ser destruída”).

2. Força mística

Hoje, muitos se valem do escudo religioso. O eleitorado respeita e tem veneração pelo eixo místico. Candidatos de igrejas evangélicas costumam recitar salmos, do tipo: “Deus é o meu pastor e nada me faltará”… “se Deus está comigo, quem estará contra mim?”.

3. Valores do ciclo eleitoral

Valores que o candidato deve alinhar ao discurso: participação – a sociedade está querendo participar do processo político; cobrança – o eleitor quer fiscalizar a vida e as promessas; autonomia – a capacidade de um candidato de decidir sobre seus atos, seus fins, a capacidade de escolher os meios para atingir os fins; juventude – conciliar uma certa jovialidade com a experiência do adulto, não passar ideia de muito impetuoso nem muito velho; cidadania – é um conceito muito importante hoje. Cada vez mais o cidadão quer reforçar a sua cidadania. A cidadania se conquista com emprego, saúde, melhores condições de vida, segurança, liberdade e conquistas dos direitos individuais e sociais. É oportuno lembrar: os valores estão presentes dentro do contexto sócio-político: participação, fiscalização, cobrança, mudanças no sentido de inovação, simplicidade, mais ação menos palavras, autonomia, juventude, experiência, cidadania.

4. Eficácia do discurso

O interesse pelo discurso se relaciona ao uso que o leitor/ouvinte poderá fazer da mensagem. Quanto mais benefício ela trouxer, mais possibilidade terá de ser selecionada. Esse benefício, por sua vez, está relacionado à proximidade psicológica/distância psicológica que ela apresenta. As modulações pessoais da linguagem oral, por exemplo, reduzem a distância do indivíduo. E o uso de apelos emocionais facilita o encaixe da mensagem na psique. A mensagem precisa ser inteligível, de forma a ser compreendida plenamente pelo receptor.

Maquiavel

Pinceladas do pensamento de Maquiavel:

– A ofensa que se fizer a um homem deverá ser de tal ordem que não se tema a vingança.

– Arruína-se quem é instrumento para que outro se torne poderoso.

– Não há coisa mais difícil de se fazer, mais duvidosa de se alcançar, ou mais perigosa de se manejar do que ser o introdutor de uma nova ordem, porque quem o é tem por inimigos todos aqueles que se beneficiam com a antiga ordem, e como tímidos defensores todos aqueles a quem as novas instituições beneficiariam.

Fecho a coluna com Pernambuco.

“Só expectorante”

Reunião de vereadores com o chefe político da região numa pequena cidade de Pernambuco. Cada um tinha de falar sobre os problemas do município, reivindicações, sugestões, etc.. Todos falaram alguma coisa, com exceção de um deles, meio acabrunhado no canto da sala. O chefe político cobrou dele a palavra:

– E você, amigo, não tem nada a dizer?

O vereador, tonto com a provocação, não teve saída. Respondeu:

– Não, doutor, estou apenas expectorante.

Abriu a gargalhada dos companheiros espectadores.

(“Causo” do ex-governador de PE e ex-senador Maciel com relato de Geraldo Alckmin.)

 

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