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24 de abril de 2024 9:18 PM

Coluna

Porandubas nº 765

Gaudêncio Torquato
Em 22 de junho de 2022

Abro a coluna com um caso hilário da velha Bahia.

Grande prole…

Da Bahia, vem a historinha. José de Almeida, contador do Banco do Brasil, fazia o cadastro da agência. Um dia, chega Heroíno Pita, fazendeiro, que responde na bucha o formulário: nome, idade, imóveis, renda anual, dívidas. Aí vem a pergunta:

– Quantos filhos o sr. tem?

– 8 filhos

– Tudo isso? O senhor tem uma prole grande.

Heroíno, entre sorridente e cabreiro, abre o gesto com as duas mãos:

– Não, senhor. É normal. Normal.

Agora, respire e leia minha análise da conjuntura.

A crise I – O golpe

A crise amplia seus contornos a cada semana. Olhemos para os lados de nosso amanhã. A ameaça sobre um golpe a ser desferido pelo presidente Bolsonaro, caso perca as eleições, vem ganhando volume. O receio se alastra nos estratos do meio da pirâmide para cima. O leit motiv, que faz o pano de fundo desse risco, é o processo de votação, sujeito a fraudes, na concepção do bolsonarismo.

A crise II – As Forças Armadas

As Forças Armadas, historicamente discretas e distantes do tiroteio eleitoral, entram na arena dispostas à briga. Dizem com todas as letras que farão o seu sistema, próprio e intransferível, de auditoria, politizando a questão e praticamente desafiando o TSE a um duelo. Na última reunião da Comissão de Transparência Virtual presidida pelo ministro Edson Fachin, o representante das Forças Armadas, o general Heber Portella manteve-se calado e com a câmera desligada. Sinal de que o clima está mais que tenso.

A crise III – As urnas eletrônicas

O presidente Bolsonaro, por sua vez, se esforça para adensar a tese de fraude nas urnas eletrônicas, alimentando a base bolsonarista e tentando influenciar segmentos de todos os espaços do eleitorado. A campanha já está mostrando que será uma corrida de brutos desembestados em direção ao pódio. As Forças Armadas podem, até, com sua disposição de questionar o processo eleitoral, despertar grupos militares contrários ao seu rompante.

A crise IV – A Petrobras

A fogueira da crise sobe com mais algumas estacas. No centro da fornalha, a Petrobras. O governo decidiu nomear o quarto presidente da estatal na atual administração. O valor de mercado da empresa caiu em mais de R$ 100 bilhões nos últimos dias. Grana pesada. A CPI da Petrobras jogará a crise no cume da montanha. A intenção de Bolsonaro: atribuir à estatal a alta no preço dos combustíveis. A mão do Estado quer ser mais forte na definição dos rumos. O fato é que o presidente atual e o ex-presidente Lula defendem o que chamam de “abrasileiramento” da política de preços dos combustíveis.

A crise V – O intervencionismo

Lula pula no ringue, tentando escapar do adversário, mas na questão da Petrobras é francamente contrário à privatização. Tem dificuldade em ficar calado. A voz do Estado, com Lula ou Bolsonaro, será mais alta. Intervencionismo. E essa tendência assusta os pilares dos edifícios da av. Faria Lima. Os investidores ficam com um olho na bocarra do Estado e outro olhando para os limites da economia de mercado.

A crise VI – Os alimentos

E haja lenha na fogueira. Os juros que, logo, logo, devem chegar aos 15% mensais, fazem disparar o preço dos alimentos. Nos supermercados e feiras livres, os preços sobem aos céus. O programa Auxílio Brasil não enche mais os carrinhos. A carne de porco substitui a carne de boi. Feijão e arroz, sob medida, são os componentes centrais das refeições. A guerra da Rússia x Ucrânia escasseia e encarece os grãos, a partir de trigo e soja. O mundo entra em um ciclo de intensa carência alimentar.

A crise VII – O impacto

Nesse ponto, acende-se o farol vermelho. Está chegando o Dia D. A hora da verdade. 2 de outubro. Eleições. A retração da economia, os juros, as indefinições na área política, Petrobras, a pandemia, o contexto nebuloso que cobre o planeta, todo esse cipoal impactará o sistema de decisões do eleitor, que tende a reagir de acordo com a equação que, há tempos, tento mostrar aos leitores: BO+BA+CO+CA= Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça votando em quem viabilizou esse fluxo. A recíproca é verdadeira. Se a barriga roncar, a raiva, a indignação, o troco do eleitor virão com juros e correção monetária. Porrada nos candidatos identificados com a fome.

A crise VIII – Quem pagará o pato?

A conta começa a multiplicar números. Qual será a estatística dos mortos e contaminados com o coronavírus? Quem diz que os pobres não serão influenciados por isso fala bobagem. Lembro, mais uma vez: os seres humanos agem e lutam para sobreviver e perpetuar a espécie, como ensina Pavlov. Nesse esforço, despertam quatro instintos, dois voltados para a conservação do indivíduo e dois voltados para a preservação da espécie: o impulso combativo contra ameaças à vida; e o de nutrição (satisfação da barriga); e os dois de preservação da espécie são o instinto sexual e o paternal.

A crise IX – As associações

Os instintos são acionados por todos. Não apenas por um estrato social. Pobres e ricos, feios e bonitos, gordos e magros, negros e brancos, todos comem do mesmo prato instintivo. Hoje, a tendência é associar Bolsonaro às coisas ruins – fome, doenças, ameaças ao indivíduo. Porém, ele também será acionado a fatores positivos por alguns núcleos: família, valores etc. Ou seja, instinto paternal. Pátria, acima de todos; Deus, acima de tudo. Lula, aos valores positivos da barriga (acesso ao crédito, alimentos-Bolsa Família) etc. E, também, haverá certa associação com medo – comunismo, Cuba, Venezuela, etc. A corrupção será jogada no colo de ambos.

Paixões tristes I

A individualização de desigualdades toma o lugar da coletivização das desigualdades. Esse é o fenômeno em foco nesses nossos tempos turbulentos. Essa é a tese central de François Dubet, um dos maiores sociólogos da França, exposta em seu livro O Tempo das Paixões Tristes. Dessa hipótese, emergem o ódio, as cóleras, as indignações – um pacote rancoroso que acaba aplainando os caminhos do populismo.

Paixões tristes II

Classes superiores, médias e inferiores, que formavam a modelagem da pirâmide social, agora dão lugar aos grupos singulares e às desigualdades específicas: mulheres contra as discriminações; aglomerações de categorias profissionais nas ruas; jovens descendentes de imigrantes; desocupados e os contingentes sem acesso à saúde, à educação, à cultura, e submetidos aos influenciadores, entre outros. Vivemos tempos de paixões tristes. As desigualdades mudam de natureza.

Pente fino

– Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura, pode entrar na chapa de Bolsonaro como candidata à vice-presidente. Mas, parece não querer se arriscar.

– O general Hamilton Mourão tem condição de se eleger senador pelo RS.

– Romeu Zema, de MG, deverá se reeleger.

– Quem ganhar em MG poderá ser eleito presidente em outubro. Minas Gerais representa o universo brasileiro.

– O Nordeste, hoje, mostra Lula ganhando de goleada. Porém, tende a diminuir sua vantagem.

– Em São Paulo, Fernando Haddad encontrará um paredão de resistência ao lulopetismo. Trata-se do Estado mais contrário ao petismo.

– Simone Tebet ainda não saiu do páreo. Pergunta que se faz nos segmentos médios: você vai votar em quem? Tebet surpreende. Muitos apontando para ela o seu voto. O que não aparece nas pesquisas.

– Sérgio Moro, candidato a que no Paraná, senador, governador? A impressão é a de que está sendo boicotado por seu partido, o União Brasil.

– Este partido patrocinou pesquisa mostrando que Sérgio Moro não tem chance de vencer as eleições ao governo do Paraná contra o governador Ratinho Júnior. Daí a ideia de lançar o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro ao Senado. Blog do Metrópoles.

– O Conselho da Petrobras vive o dilema: como sair do imbróglio – entre a cruz e a caldeirinha?

– O TSE, a ser comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, a partir de agosto, vai endurecer e punir desafiadores da lei. A conferir.

– José Roberto Arruda, se conseguir viabilizar sua candidatura ao governo do DF, tem chances de voltar a dirigi-lo.

– O PSD, de Gilberto Kassab, avançará bem no pleito, com chances de formar uma grande bancada.

– A morte de Bruno e Dom joga a imagem internacional do Brasil no fundo do poço.

– De meu artigo na Folha de São Paulo, no último domingo: “O beabá para combater a violência deve começar com o desfazimento da cosmética de miséria que se instalou no país. Os cinturões metropolitanos, já saturados de lixões que ofertam um banquete pantagruélico para urubus, crianças e mães famintas, são também palco para a exibição de corpos chacinados em decomposição, vítimas do ciclo de violência desses tempos horripilantes. O que se vê é a expansão dos contingentes das ruas, esmoleres e mendigos, que passam a noite embaixo de pontes e viadutos, cobertos por caixas de papelão…. Sem ânimo, emoções envenenadas, os cidadãos se veem acossados pela violência, entram em um limbo catatônico, assemelhando-se a dândis em passeio macabro e estonteante por um jardim de horrores. A violência suga a vitamina da vida, a alegria de viver. Ao fundo, a sombra do vírus da pandemia em sua quarta visita ao nosso habitat”.

 

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