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19 de maio de 2024 4:00 PM

NEM MUSK, NEM MORAES

Foto: Divulgação
Gaudêncio Torquato
De Redação
Em 12 de abril de 2024

“Se toda a humanidade menos um fosse da mesma
opinião, e apenas um indivíduo fosse de opinião
contrária, a humanidade não teria maior direito de
silenciar essa pessoa do que esta o teria, se pudesse, de
silenciar a humanidade”.

O pensamento de John Stuart Mill, considerado por
muitos o mais influente filósofo de língua inglesa do
século XIX, resume, com perfeição, o ideário da
liberdade de expressão. Um não pode calar a voz de

SÃO PAULO | ABRIL DE 2024

todos, e todos não têm direito de proibir a manifestação
individual. Os fundamentos da teoria liberal da
comunicação se ancoram nos direitos proclamados por
Thomas Paine, um dos pais fundadores dos EUA. Dentre
eles, o de que qualquer ser humano pode se guiar
“diretamente pela razão, tanto sobre assuntos de governo
quanto sobre temas mais específicos”. A tarefa da
sociedade é garantir o livre intercâmbio de ideias.
Estamos tratando, como se vê, de normas aplicadas
nos sistemas democráticos, não em regimes autoritários,
onde o Estado exerce sobre as pessoas rígidos controles.
O Estado, segundo a visão de Hegel, encarna a moral. Já
a liberdade nesse regime ganha outras leituras, e tem
como controlador a figura do “grande irmão”, aquele que
leva as pessoas a pensar dentro limites da segurança do
Estado. Na Coréia do Norte, a verdade de Kim Jong-un,
o líder supremo, tem ares de sacralidade, e só mesmo os
revoltosos contra o regime, sob pena de degola,
expressam algo de apelo libertário. Na China, cujo
sistema é hoje identificado como capitalismo de Estado,

a liberdade de expressão é reprimida pela mão forte da
cúpula autoritária. Xi Jinping, o líder do partido
comunista, tem o controle de tudo e sobre todos. Na
Rússia, de Vladimir Putin, o mandachuva que se
perpetua no poder, a voz de Alexei Navalny, o líder da
oposição contra o regime, morreu com ele, na prisão.
Esta pequena teia de conceitos cai bem no momento
brasileiro. Presenciamos uma querela envolvendo a
liberdade de expressão, tendo como principais
protagonistas, de um lado, o bilionário construtor de
carros elétricos e dono da rede X (ex-twitter), Elon
Musk, e, de outro, o ministro do STF, Alexandre de
Moraes, sob cuja responsabilidade está a tarefa de
regular a teia tecnológica. Musk fustiga Moraes,
atribuindo a ele a pecha de ditador e dizendo que o
magistrado puxa Lula pela coleira. Já o ministro tem
batalhado contra as fake-news, considerando que a
enxurrada de versões e falsidades, propagada pela rede
X, tem poder deletério sobre o processo eleitoral, o que

está a exigir uma barreira de controle legal. Ao fundo, o
pleito municipal de outubro próximo.
A polêmica assumiu ares de tiroteio, com a inserção
de Musk na relação de investigados no inquérito das
milícias digitais, a par da possibilidade de sua rede
tecnológica deixar o Brasil; e a proibição de resgate de
perfis já bloqueados, entre os quais os dos empresários
Luciano Hang e Edgar Corona, do blogueiro Alan dos
Santos e do influenciador Monark. Alexandre de
Moraes, a quem se acusa de interferir na liberdade de
expressão, tem dito que as redes sociais não são terra
sem lei. Não são terra-de-ninguém.
Nesse ponto, é oportuno retomar a linha conceitual. A
acusação de que o ministro está censurando o direito de
expressão das pessoas embute o argumento de que tudo
pode ser dito, o indivíduo pode manifestar livremente
suas ideias, sem a espada do Estado sobre a cabeça. Já o
magistrado e seus colegas de Corte pensam que há
limites a serem observados na seara da liberdade de
expressão. O desenvolvimento das comunicações, a

consolidação dos eixos da democracia e o acesso dos
receptores da comunicação às redes sociais, sob o farol
do iluminismo, corrente de pensamento do século XVIII,
que dá ênfase à razão em detrimento da fé, trouxe para a
mesa do debate o conceito de responsabilidade. O
cidadão tem direito a se expressar livremente, desde que
o faça sob o compromisso de assumir a responsabilidade
sobre seus ditos. Significa não deturpar a verdade, não
causar danos a outros, não conspurcar valores e
princípios da comunidade política.
Dentro dessa linha de raciocínio, Elon Musk exagera
quando desenha a feição do ditador em Alexandre de
Moraes e este escapole de suas funções ao querer retirar
das redes aqueles que se posicionam contra pensam de
maneira diferente da sua. Nem lá, nem cá. Moraes pode
exigir responsabilidade nas mensagens emitidas por
usuários, sem ferir princípios da liberdade de expressão.
Musk deve evitar provocar o caos na frente das novas
tecnologias. Até parece que deseja ser como o porco do

ditado popular: “Nunca lute com um porco: todos
ficarão sujos, mas o porco adorará”.

GAUDÊNCIO TORQUATO é escritor, jornalista,
professor titular da USP e consultor político

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